Bom dia, pessoal!
Sou Micael, estou na coordenação regional nordeste do Fladem Brasil e estaremos nesta semana discutindo nosso primeiro Boletim da "Ação Formativa e Cibernética" do Fórum.
Este é nosso primeiro Boletim de uma série de textos com temas emergentes a fim de construirmos diálogos com todos/as os/as flademianos/as. Ainda, queremos ampliar as contribuições e indagações daqueles/as interessados/as nessas discussões. "Educação Musical e Ancestralidade Negra", de Marcos dos Santos Santos, discute o processo de castração social entendendo o corpo como matéria viva, portanto, movimento. Marcos problematiza as relações construídas com as continuidades coloniais e os métodos de educação musical homogêneos, elaboradas por homem hétero, branco, cristão e euroamericano. Nesse bojo, também podemos trazer ao debate as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais, a Lei 10.639, de 2003, e posteriormente a Lei 11.645, de 2008, onde estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
Vamos as discussões!
A temática é extremamente pertinente e mesmo com uma lei que "obriga" a inserção de conteúdos que abarquem as culturas indígenas e afro-brasileiras na educação, ainda observo uma dificuldade dos educadores em se debruçar sobre essas duas linhas de ação tão importantes e fundamentais para nos entendermos como brasileiros. A dificuldade, num primeiro momento, pode ser da falta de materiais mas ao começar a pesquisar sobre essas duas musicalidades (indígenas e afro-brasileiras) percebo que há uma quantidade imensa de materiais como livros, CDs, artigos, teses foram elaborados nessas últimas décadas e que podem servir de incentivo ao professor de se enveredar por esses assuntos e começar a inseri-los na sua prática didática. Em 2003, escrevi um livro chamado 'Outras terras, outros sons', que abordava - de forma didática e introdutória - esses repertórios dentro do seus contextos históricos e etnomusicológicos, buscando uma linguagem acessível sem o viés acadêmico, algo mais palpável pro professor. Hoje, encontro vários educadores que me contam que leram esse livro para concursos (pois em alguns deles, a leitura dele é obrigatória) e pergunto: o que você "usou" dele? em geral, usam uma ou duas músicas apenas, para algum evento que a escola pediu. Sempre fico na dúvida se conseguem se aprofundar nos contextos que o livro propõe.
Além de materiais existententes, penso que a educação baseada na interculturalidade é fundamental. Sempre estimulo aos professores de convidarem para suas classes, pessoas representantes dessas culturas como indígenas e negros que conhecem algum aspecto de suas tradições. Em alguns lugares, já vi acontecer convites à indígenas e nem sempre foram muito bem recebidos, pois o estranhamento é grande ainda. Então não basta levá-los e ponto final; é necessário haver uma preparação, uma ação que propicie um entendimento livre de preconceitos, descolonizando o pensamento com base em dados recentes e não reproduzir um conhecimento engessado, pois mesmo crianças pequenas já chegam com ideias preconcebidas vindas do seu ambiente familiar. Então, o professor tem um papel importante em abrir mentes e corações para essas manifestações negras e ameríndias sensibilizando os seus alunos, mostrando que é bonito, que é importante, que faz sentido ouvir e cantar e tocar aquilo e não apenas reproduzir sem pensar. O ouvido pensante precisa estar ativo.
Por outro lado, eu também tive a oportunidade de trabalhar em um projeto social chamado 'Meninos do Morumbi' em São Paulo, onde a presença de ritmos como jongo, afoxé, maracatu, samba entre outros era bem forte. O envolvimento das crianças e jovens era imenso, eles amavam fazer tudo aquilo. Há muitas ONGs que têm trabalhado sob esse viés da musicalidade negra, e entendo que isso é uma porta que foi aberta e não mais será fechada. O processo é demorado, mas não impossível.
"Paralisar o corpo não deveria ser uma premissa do educar". Isso me trouxe a memória toda a minha vivência na educação básica. E ainda que, em nenhum momento eu tivesse tido aula de música, o meu corpo foi paralisado por durante muitos anos na escola.
Ao pensar o corpo como lugar de experiências educacionais não podemos concordar e contribuir com a paralisação do mesmo, e nem muito menos com a adoção não contextualizada e não "adaptável" dos métodos de educação musical. Fiquei com a mente paralisada quando li no texto sobre a elaboração dos métodos da educação musical por brancos, héteros, cristãos euroamericanos.
Pensei: gente, porque (que) nunca refleti/discuti sobre isso? Os fóruns de discussão propostos pelo Fladem Brasil são necessários! São reais! Potencializadores!
De fato sinto meu corpo sempre em busca de compartilhamento, desde que este seja sem doutrinação, sem castração. Não participo, infelizmente por falta de acesso, dos candomblés, capoeira, cocos, maracatus, mas estou cotidianamente e prazerosamente com a presença das crianças, o que me oportuniza participar de ambientes receptores e condutores de subjetividade, criatividade, afetividade, pluralidade, mãos dadas e olhos nos olhos. Assim, luto para que esse lugar de aprendizagem musical na infância seja conectada com a realidade, que atenda às necessidades, amplie os horizontes, conheça e respeite a diversidade, potencialize as individualidades no coletivo e promova ações colaborativas.
Sim, é possível. Lutemos!
Oi pessoal!
Sou Jéssica, representante do Estado Roraima no Fladem.
Por aqui (UFRR), esta pauta é extremamente debatida e costuma gerar conflitos (adooooro)!
Penso que o conflito é necessário. Aprendemos mais quando há "treta".
O que tenho percebido é o quanto nós somos amarrados e dependentes desta colonização. Costumo desafiar os meus alunos a pensarem propostas de ensino baseados em músicas de culturas diversas tais como elas ocorrem nos diferentes espaços (dançando, através de rituais, cantando, improvisando, movendo-se...). A primeira dificuldade encontrada, segundo observo, é a escassez de materiais a respeito (se tratando de alunos em formação, que estão em um processo de aprender a criar, ainda... e que dependem, por um tempo, de inspirações diversas). Segundo, os contextos dentro dos quais fomos condicionados (e não criados) - observo muitas pessoas negarem alguns aspectos de suas vidas dentro da academia justamente porque, aqui, é lugar de "MÚSICA" (daquela... daquele jeito... para aquelas pessoas...). Terceiro (bem próximo do segundo) - as amarras que dificultam o olhar para o Outro e para o Nós e que grita lá dentro que "isso é coisa de....", "isso NÃO É....", "isso NÃO PODE...", "isso NÃO ME PERTENCE", "não estou aqui para 'ISSO'" e que, por isso, limitam as possibilidades de se trabalhar algumas escutas.
Quarto: às vezes me sinto remando contra a maré (apesar de conhecer muitas pesquisas que corroboram com o meu pensamento descolonizador, atualmente) - a maré institucionalizada, a maré da "grade" curricular... a maré da figura do artista (e tantas outras marés!)
Particularmente, conheço bem o meu lugar de fala e sinto a necessidade (urgentíssima) de mergulhar em outros mundos musicais, pois considero-me limitada - sinto saudade do que não fui, sabem? Tenho tentado, junto de meus alunos, explorar possibilidades pedagógico-musicais que não tirem da música o que há de melhor - o HUMANO... que se mexe, que é inquieto, que é criativo, que discorda... que se incomoda e se revolta. Aquele para o qual a música extrapola o som.
É muito bom saber que há gente que gosta da "treta", assim como eu!
Abraços
A questão da separação entre corpo e música foi bem exemplificada pelo autor Marcos Santos, pois essa maneira de separar tudo é típica da Europa desde o séc. XVIII, onde se hegemonizou a partir do século seguinte com a "invenção do currículo", o currículo em si, é uma tradição inventada pela classe dominante e isso se aplica desde a dominação racial, patriarcado e colonialismo... Temos que romper essas separações que são tanto físicas quanto simbólicas, toda manifestação que tem música e dança, por exemplo, deve ser respeitada em sua integridade. Por isso jamais devemos permitir que uma abordagem sobre os Maracatus, tenham omissões em relação à sua religiosidade, pois já ouvi inúmeras vezes um pedido de se "evitar entrar em polêmicas", eu nunca obriguei nenhum aluno a representar uma manifestação religiosa ou qualquer outra que não se sinta à vontade ou pertencente, porém, exijo que seja feito alguma outra contribuição para um evento cultural, que pode ser feito tanto com produção de painéis, pesquisa escrita ou entrevista etc. Sei que até mesmo existe uma forte corrente essencialista, que segundo Vera Candau é o Multiculturalismo Diferencialista, essa corrente leva o local de fala a um extremo que nega a necessidade dos diferentes se reconhecerem e se aproximarem, onde esse paradigma termina por criar guetos e levantar muros, esse modelo é legítimo, mas só faz sentido diante de culturas isoladas, não sendo adequada a uma sociedade tão plural e interligada, a exemplo de nações indígenas e quilombolas que interagem fortemente com a população das cidades. Uma visão essencialista vai apostar no isolamento e a partir disso, ou se separa ou aposta tudo no legalismo, essa última opção é a mais comum e medíocre pois não supera os conflitos, não promove empatia. A partir daí, concordo com o Vera Candau sobre apostar numa Educação Intercultural, com Leonardo Morais e sua afirmação de "praticarmos uma educação musical interétnica"... Para isso devemos romper com a Educação Doutrinadora, como afirma Marcos dos Santos, ainda que para abordar tradições, isso seja necessário como metodologia e estética, mas jamais enquanto finalidade do Ensino, nem mesmo para as aproximações culturais que temos que empreender como missão decolonialista.
Imprescindível trabalharmos as culturas afro e indígenas, nossos povos originários. De lá saimos e o reconhecimento disso poderá nos levar ao mundo do bem viver, um mundo de paz e igualdade.
Marcos Santos e Fladem Brasil, obrigado pelo texto!!
A partir das questões desenvolvidas no boletim e na questão posta no fórum, destaco que o racismo institucionalizado e estrutural na dinâmica social da contemporaneidade mata. Mata em diversificados âmbitos. É um projeto necropolítico que acontece de forma explícita e sutil nos espaços educativos (escolarizados e não escolarizados), ainda é sistemático. O Racismo é uma ação sistemática, gerada no âmbito individual e/ou coletivo. Negras e negros, eleitos como etnia inferior aqui no Brasil, e digo, também em boa parte do Mundo, foram e ainda são, destinados a pesadas e dolorosas consequências que tal processo, seja ele institucional, recreativo, estrutural, individualista e/ou em suas plurais facetas e dinâmicas diversas, articula e mata, sim, a nós – negros/as. Por quase 400 anos, o processo de escravidão de pessoas negras arrancadas violentamente, demarcou e ainda demarca, nos corpos negros na contemporaneidade, cicatrizes que podem ser vistas nos mais diversificados extratos sociais. É uma violência que perdura até os dias de hoje. Sofisticada e com outras formas de escravização, principalmente a do conhecimento, eixo central do debate que pautamos no decorrer desse texto.
O ano de 2018 foi marcado pelos 130 anos da abolição da escravatura no Brasil (1888-2018). Completa-se também 15 anos de implementação da Lei 10.639 (2003-2018) e 12 anos de implementação das Diretrizes Curriculares para Educação para as Relações Étnico Raciais (2004-2018). Compreende-se que mesmo com legislações, diretrizes para uma educação para as relações étnico raciais e todo um debate produzido pela negritude, em movimento de existência, há um enorme abismo que nos impossibilidade de sermos.
Partindo do ponto/conceito da desobediência e de enfrentamento ao modelo impregnado em nossas estruturas de saber e conhecimento, ressalto que uma epistemologia ocidental eurocêntrica não permite a entrada de outros lócus de produção crítica e científica, no quesito formação humana. Pelo contrário, deslegitima saberes outros. Para romper com esse movimento opressor, é necessário o desenvolvimento de projetos educativos emancipatórios e também a coexistência de diferentes epistemes. Porém há um caminho para trilharmos num propósito realmente (antirracista, sexista, xenofóbico, homofóbico, machista, para pensarmos as questões, noções e ideias de/com música, dado ao caminho como as pessoas a fazem, praticam, inventam.
A estrutura da dinâmica social e a institucionalização do racismo no Brasil revela cotidianamente nos espaços de luxúria musical a impossibilidade de reconhecimento do saber negro. A falta dessa possibilidade de encontro com saberes que advém das muitas práticas e epistemologias desenvolvidas por esse grupo étnico, gera violências diversificadas. Vale ressaltar que essa ação não é desenvolvida pela Música, e sim pelos sujeitos que dela se aproveitam, para tecer racialmente estruturas de inferioridade, subalternidade e silenciamento. Destaco que a Música é uma produção humana. Essa arte, sem o indivíduo que a faz, não é nada, ou seja, a hegemonia do conhecimento branco, heteropatriarcal, cientificista, gerou e ainda gera, um enorme abismo entre os saberes da negritude e da branquitude.
Ou seja, há necessidade que um projeto de educação musical esteja implicado com o projeto de uma educação antirracista. Uma Educação Antirracista legitima o olhar atento para os indivíduos que sofrem cotidianamente o amargor da violência física, simbólica e, em especial, epistêmica, pois não se reconhecem nas práticas educativas, nos livros didáticos e nem mesmo nos espaços de poder - esses ocupados pela branquitude. O propósito da Educação Antirracista visa um olhar geopolítico do conhecimento, no qual o processo de ensinoaprendizagem exige daqueles que lecionam: pesquisa, autoformação permanente e continuada, respeito pelos saberes dos estudantes, criticidade, ética, reflexão crítica sobre a prática, bom-senso, comprometimento, saber escutar, disponibilidade para o diálogo, querer o bem dos alunos, e, principalmente, acreditar que por meio da Educação é possível a mudança social, cultural, econômica e política.
Acredita-se no potencial de prática de uma musicalidade outra, abrindo espaço para a reinvenção da Música. As práticas e pesquisas desenvolvidas no campo têm se utilizado de inovações teóricas, metodológicas e epistemológicas, nas quais se amplia o entendimento de Música e de quem a faz. As práticas e pesquisas desenvolvidas no campo da etnomusicologia têm sido tomadas como dispositivos políticos de resistência e resiliência, em diversificados processos sociais da contemporaneidade.
A partir das provocações dadas no texto do Marcos Santos, fica a necessidade e demanda de pensarmos e praticarmos uma educação musical interétnica. Saliento a necessidade de o espaço formativo conter uma ampla proliferação de saberes, no qual a complexidade que envolve a construção destes possa ser uma ferramenta de aprendizagem de conhecimentos outros e também ter como cerne a valorização da identidade negra no Brasil, que é um país multiétnico e intercultural. O movimento interétnico, no processo de aprendizagem da música, pode ser uma ferramenta de erradicação do racismo e promoção da visibilidade na produção de conhecimento daqueles e daquelas que, cotidianamente, praticam e constroem saberes nos espaços formativos. Saberes esses que fazem parte da história negra ancestral, não mais subalternizada, mas vivida no seio da emancipação do branqueamento, sob a negritude.
Portanto, pensar uma Educação Musical em diálogo com a Educação Antirracista perpassada pelo entendimento e o alargamento do seu conceito é urgente para a erradicação do racismo epistêmico. Não se pode permitir que alunos e alunas sejam impossibilitados, nos espaços educativos, de terem acesso a diferentes musicalidades do Mundo, em especial aquelas que advêm das culturas africanas e das suas diásporas. Não é mais possível permitir que nos espaços formativos, haja legitimação do racismo cognitivo. É importante que se possa pensar e questionar sobre a responsabilidade social e a ética no processo de construção de saberes e conhecimentos, partindo de uma ideia desobediente às hegemônicas maneiras de fazer e praticar música, conforme aprendemos nos espaços que formam professores, pesquisadores e performes da música.
Obrigado, mais uma vez e sigamos no diálogo nesse fórum!
penso que como educadoras/es é super importante que busquemos outros caminhos formativos para nosso trabalho, desde essa reflexão que nos traz o Marcos
faz sentido para mim buscar um trabalho pessoal que esteja fora dos contextos conservatoriais, em que a vivencia em meu corpo seja significativa. sinto minhas resistências mas busco trabalhar sobre elas para poder mudar minha postura. e isso também requer um estado de atenção muito amplo. a colaboração das culturas afro e indígenas é essencial para compreender que existem outras maneiras de ser/existir nesse mundo. maneiras que o sistema escolar hegemônico por natureza não contempla. muitas reflexões por aqui! seguimos!
A temática é mais do que importante, precisamos mesmo refletir sobre como não colonizar xs estudantes que estarão em nossa sala de aula. E mesmo tendo ciência disso, por ter sido ensinada através de uma educação colonizadora, me pego utilizando dessas metodologias euro-centradas e me pergunto por onde ir, que caminhos posso trilhar?
Olá, boa noite!!!
me interessa muito saber o modo como nós, educadorxs musicais, temos trabalhado o corpo, em seu aspecto amplo, nos processos de ensino e aprendizagem musical.